Um dia de cão: Jornalista relata discriminação sofrida em agência bancária em Brasília
João Negrão é jornalista em Brasília e militante da causa da igualdade racial. Foram suprimidos do relato, que ele fez circular pela internet, nome de pessoas amigas e a identificação do banco e da agência onde tudo ocorreu.

"A gente vê, lê e ouve notícia de constrangimentos e até expressões (muitas vezes veladas) de racismo nas portas giratórias de banco. A gente vê, lê e ouve no noticiário e se indigna. A gente às vezes até noticia isso. Já fiz muitas matérias sobre. Mas a gente nunca sabe o que realmente é isso quando não acontece com a gente, quando não sentimos na pele.
Aconteceu comigo ontem. Foi numa agência bancária próxima ao Conjunto Nacional. Em três meses de volta a Brasília freqüentei essa agência quatro vezes, quinta com ontem. Nas anteriores fui sacar o meu cheque-salário da revista na qual trabalho e o 13º. Hoje fui abrir uma conta-salário.
Nas quatro vezes anteriores o guarda que fica próximo à porta giratória me pedia para entrar e, já dentro do banco, solicitava abrir a mochila. Não deixo mochila dentro do carro. Além do medo de ser roubada, ando com ela, pois carrego meu note e meus aparelhos de aferir pressão e glicemia.
Aqui abro parênteses. Alguns sabem: sou diabético. Não sou hipertenso, mas por causa das alterações bruscas da glicemia (hipo e hiper) tenho alterações de pressão que vai de 9 por 5 a 16 por 10. Um perigo. Então tenho que manter minha pressão sempre num nível inferior ao permitido aos seres humanos normais, bem abaixo de 13 por 9, no máximo 12 por 8.
Se ela subir muito tomo o captropil. Se baixar, bebo muita água. Sal não funciona. É mito. E controlo a glicemia não deixando passar dos 120/140. Se passar, tomo metformina, podendo assim usufruir dos prazeres de um ser humano normal: tomar minha cerveja, comer meu arroz e feijão e, de vez em quando apreciar um sorvete de ameixa. Então, minha mochila carrega os instrumentos que me ajudam a viver um pouco melhor. Não posso prescindir deles e dela. Fecha parênteses.
Então, nesta terça-feira, 18 de janeiro de 2011, fui à agência abrir a maldita (ou seria bendita?) conta. Não sei se eram guardas diferentes, mas sei que não deram a mínima quando dei uns três toques no vidro avisando (como sempre faço) que estava com a mochila para ser revistada. Como não esboçaram nenhuma reação, deduzi que pudesse entrar como fiz das vezes anteriores, quando eles liberavam a porta com o controle remoto e depois revistavam a mochila. Não foi o que aconteceu.
Fiquei trancado na porta e sendo torturado por um alarme chato buzinando sem parar e as pessoas se indignando na fila atrás e outras rindo de mim. Um dos guardas veio e começou a gritar: “Ô, cidadão, tem objetos metálicos aí. Volta! Volta!”. Respondi: “Sei que tem objetos metálicos, tanto que chamei vocês para verificar. Não dá para voltar, estou trancado”.
Eu ali preso e o guarda em tom alto: “Abre aqui, abre ali. O que é isso? O que é aquilo?” Um inferno, um constrangimento total. Observei que outras pessoas que estavam com mochilas (rapazes, todos brancos) e bolsas (moças e senhoras, todas brancas) não passaram pelo mesmo constrangimento. Fiquei tão atordoado que nem fui buscar imediatamente meu molho de chaves e o celular.
Fui direto pegar uma senha e só depois voltei para perto da porta para pegar as chaves e o celular naquele compartimento. Coisa de poucos segundos. Quando retornei não estavam mais lá. Perguntei ao guarda que ficou (o outro que revistou minha mochila sumiu). Disse que não viu nada. Mas percebi que ele estava com meu celular na mão e cobrei: “Esse é o meu celular. Cadê as chaves”. Ele negou que tivesse visto. Insisti: “Se você pegou o celular, deve ter visto as chaves. Cadê?” Ele respondeu que se eu quisesse que perguntasse aos outros clientes, pois poderia estar com algum deles. Então lá fui eu para mais um constrangimento, chegando a um por um dos clientes perguntando se não teriam pegado uma chave a mais.
Mas vou resumir a história:
- procurei a gerente administrativa, que disse que não poderia fazer nada e mandou falar com o gerente de negócios.
- o gerente de negócios disse que ia abrir uma ocorrência interna. Argumentei que até lá, meu carro que estava no estacionamento, poderia ser levado e que não teria, mais tarde, como entrar em casa.
- solicitei que algum funcionário fizesse nova abordagem aos clientes para ver se alguém, por engano, não teria pegado meu molho de chaves. Pedido negado.
Não deram a mínima para mim.
Resolvi então acionar os amigos. Expliquei a situação enquanto conversa com o gerente, que ficou assustado ao ouvir a conversa, inclusive eu abrindo a possibilidade de uma denúncia de racismo e constrangimento ilegal.
Resumo da ópera: o gerente não resolveu nada, apesar de, depois de ouvir as conversas com os colegas, ficar assustado e assegurar que ressarciria as minhas despesas com chaveiro.
Gastei o que não tinha para abrir a porta do meu carro, fazer uma cópia codificada (só essa chave foi R$ 200,00 + R$ 100,00 do serviço de abrir o carro e descobrir a senha do código da ignição).
E mais a abertura da fechadura da minha casa e as cópias de todas as chaves, do portão, da entrada, do quarto e da área de serviço. Hoje vou ter que fazer uma cópia da redação da revista.
Um dia de cão.
Penso em acionar o banco e a empresa que faz a segurança.
Continuo desnorteado!!!
http://www.clicabrasilia.com.br/site/blogs/identidade/index.php?blog=13&mes=&pagina=25
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