terça-feira, 18 de outubro de 2011

Capoeira
  "A capoeira é a minha vida"
Tonho Matéria é cantor, compositor e agitador cultural, mas, principalmente, uma das grandes referências na arte da capoeira no Brasil

Por Marla Rodrigues | Fotos Mauricio Requião



 
Em Salvador, pergunte por Antonio Carlos Gomes Conceição. É certo que a maioria das pessoas não vai associar a imagem ao nome. Agora, procure por Tonho Matéria, músico e capoeirista que tem mais de 300 músicas gravadas por grandes nomes, como Daniela Mercury, Chiclete com Banana, Olodum e Beth Carvalho, entre outros, e que desenvolve trabalhos sociais levando a arte da capoeira e todas as suas boas consequências para crianças, jovens e adultos de Salvador. Pronto, achou! Tonho Matéria é o que podemos chamar de uma figura popular da cidade. Destaque à frente de dois dos grandes blocos afros de Salvador, ele inovou ao levar para os palcos uma performance, digamos, capoeira/musical, união perfeita da batida e ritmo fortes do axé, com a ginga e a atitude da capoeira. Dessa forma, ganhou o mundo, com apresentações na França, Grécia, Austrália, nos Estados Unidos, em Moçambique e na Itália.
Em 2001, fundou a Associação de Capoeira Mangangá, que incentiva a prática da capoeira como instrumento de inclusão social, fortalecimento da cultura e educação para a cidadania, resgate do orgulho étnico e de afirmação identitária. O sucesso de Tonho como artista está diretamente ligado à capoeira.

"PARA MIM, A CAPOEIRA É LUTA DE RESISTÊNCIA ATIVA, É A CULTURA QUE ANDA, É A MINHA ALIMENTAÇÃO, MEU REFÚGIO, MEU TUDO, MEU EQUILÍBRIO COMO HOMEM, CIDADÃO, PAI, ALUNO E MESTRE"

Divulgação
Quando a capoeira surgiu em sua vida?
Em 1975, através de um disco do mestre Caiçara e outro do mestre Suassuna. Comecei a escutar o som da capoeira através de um vizinho, o "Seo" Popó, que todos os domingos tocava esses discos, era uma overdose aquilo lá, e eu adorava ficar ouvindo. Com 12 anos, comecei a treinar capoeira. Ela entrou na minha vida assim, meio que de brincadeira. Aos domingos, juntava uns meninos e ficava jogando sem me preocupar se estava fazendo certo ou errado. Íamos descobrindo a ginga. Depois, meu compadre Tico, que morava em frente à minha casa, me iniciou na capoeira.
Quem foi o seu primeiro mestre?
Foi o mestre King Kong. Naquele tempo não existia esse negócio de formar, existia o batizado de mestre Bimba, que não cheguei a conhecer, porque quando cheguei, ele já havia morrido. Conheci o mestre Pastinha, mas também não convivi com sua capoeira, pois seu tempo era outro. Com 16, 17 anos, já com quatro anos de capoeira, comecei a cantar e me envolver com a música no bloco afro. Em 1984, como cantor do Araketu, aplicava a capoeira nos palcos e o pessoal enlouquecia. A partir daí, não deixei mais de fazer essa associação de cantar e jogar capoeira.
O que é ser um verdadeiro mestre de capoeira?
É ir além de tocar um berimbau, jogar as pernas pra cima e de tocar um pandeiro. Ele tem que estar preparado para a vida, tem que se respeitar e respeitar as diversidades, entender a formação cultural, social e econômica para ajudar aquele aluno que não tem dinheiro para comprar nem sequer um fardamento ou até mesmo se alimentar.
Atualmente é mais fácil ser mestre?
Hoje em dia é bem mais fácil ser "bestre", é só o aluno ser bonzinho para o mestre (risos). Agora existe uma informalidade dentro das hierarquias da capoeira e, nem bem o aluno se gradua, já quer ser mestre. É uma pena quando se pensa desta forma. Pensar em corda é acordar para a vida. Antigamente era muito difícil se constituir como mestre de capoeira. Hoje, em cada esquina tem um.
Você é contra ou a favor das "rodas de rua"?
Sempre a favor! Hoje não existem mais muitas rodas de rua e sim muitos grupos fazendo rodas nas ruas, ou seja, uma capoeira livre, sem estereótipos, sem obrigações com o que é certo ou errado.
Capoeira
  "A capoeira é a minha vida"
Tonho Matéria é cantor, compositor e agitador cultural, mas, principalmente, uma das grandes referências na arte da capoeira no Brasil

Por Marla Rodrigues | Fotos Mauricio Requião




O que você pensa sobre aquele aluno que se acha muito bom, se considera um mestre e forma seu próprio grupo?
Cada um deve criar seu próprio caminho, portanto, acho essa postura certa. Errado é você criar o aluno, ele sair do grupo e depois ficar te criticando por não ter uma referência própria.
Vale a pena ensinar capoeira para quem só quer um esporte, lazer ou terapia?
Sim, todo tipo de prática com a capoeira é sempre é bom. Ela desenvolve a capacidade de pensar do indivíduo em qualquer instância.
E a divulgação da capoeira, como está?
As federações de capoeira não têm força, os capoeiristas não ajudam estas instituições a crescer e representá-los institucionalmente. O capoeirista tem um ego enorme e isso atrapalha o desenvolvimento destas organizações. Em minha opinião, acho que temos que trabalhar no coletivo e com um único objetivo: fazer a capoeira ser realmente uma arte legalizada e respeitada pelas sociedades civil e governamental.
Você fundou, em 2001, a Associação de Capoeira Mangangá. Fale um pouco sobre este trabalho.
É uma instituição sem fins lucrativos que promove ações afirmativas voltadas ao bem- estar dos seus associados, atendendo uma faixa etária de 3 a 40 anos, sem discriminação de gênero, etnia ou classe socioeconômica. Buscamos assegurar às crianças, aos jovens e adultos - moradores em bairros periféricos da cidade do Salvador e região metropolitana - por meio do aprendizado e prática da capoeira, a oportunidade de conhecimentos que proporcionem a eles uma formação como indivíduos, a construção de sua cidadania e a elevação de sua autoestima. É um projeto social com muitas vertentes.
Outra iniciativa sua é o Encontro Cultural e Intercâmbio Internacional de Capoeira Mangangá.
Este projeto cria parcerias com mestres e grupos de capoeira e projetos culturais de diversos países. No encontro, além das rodas de capoeira, acontecem palestras, workshop, debates, oficinas, mostra de vídeo, exposição fotográfica, passeios turísticos e culturais, batizado e formatura de capoeira. Foi realizado no mês de agosto nas cidades de Salvador, Cachoeira, São Felipe, Dom Macedo Costa, Morro de São Paulo e Simões Filho. Recebemos convidados de mais de quinze países que vieram participar do evento e intercambiar in loco diversas experiências.
Você é cantor, compositor e um influente agitador cultural, mas, sem a capoeira, nada disso existiria em sua vida. É isso mesmo?
A capoeira é a minha vida, sou um profissional da capoeira. E não escolhi este esporte, ela me escolheu, me viu menino jogando nas esquinas do meu bairro, Pau Miúdo. Para mim, a capoeira é luta de resistência ativa, é a cultura que anda, é a minha alimentação, meu refúgio, meu tudo, meu equilíbrio como homem, cidadão, pai, aluno e mestre. A capoeira pra mim só será um hobby quando eu concretizar todos os meus sonhos e tornar vivas e reais as minhas missões. Será um estilo de vida quando eu não mais precisar dela para lutar contra o preconceito, a discriminação, a falta de oportunidade para meus meninos negros da Associação Cultural de Capoeira Mangangá e de outras associações.
http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/159/artigo238857-2.asp



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