Violência contra a mulher, Fantástico
'Comprou mulher no mercado?' - 06/05/2012 às 23:27hFantástico mostra força de Vilma Alves contra 'machões' no Piauí
Estado que mata menos é o Piauí, com 2,6 homicídios por 100 mil mulheres
O Fantástico deste domingo, 6 de maio, exibiu matéria especial sobre os índices alarmantes da violência contra a mulher no Brasil.
A reportagem destacou as diferenças entre os estados do Espírito Santo e
Piauí, que tem hoje o maior e menor índice de homicídios a mulheres,
respectivamente.
O programa mostrou que o trabalho de repreensão aliado a ação conjunta
com a Justiça pode fazer a diferença, tal qual, segundo a reportagem, é
feito no Piauí. O destaque foi para a titular da delegacia da Mulher em
Teresina, a delegada Vilma Alves. Ela não tem medo de encarar os
machões, faz valer seu poder de delegada e ainda dá lições de moral.
VEJA ABAIXO A REPORTAGEM COMPLETA
Esta semana, o Ministério da Justiça recebeu um relatório preocupante
sobre a violência contra a mulher no Brasil. A cada cinco minutos, uma
mulher é agredida no país. Em quase 70% dos casos, quem espanca ou mata a
mulher é o namorado, marido ou ex-marido. Qual é o estado brasileiro
onde mais ocorrem assassinatos de mulheres? E o que está sendo feito
para acabar com tanta barbaridade?
Fotos: Reprodução da TV
Namoradas, noivas, esposas - não importa. “Me arrastou pelo cabelo, me
jogou dentro do banheiro, enfiou minha cabeça dentro do vaso, me bateu
muito, me chutou”, lembra uma vítima. A cada cinco minutos, uma mulher é
espancada no Brasil. “Eu vi a morte na minha frente. O vi pegando uma
faca e vindo para o meu lado”, conta a vítima.
Pode ser uma recém-casada, grávida de seis meses: “O último que ele ia
me dar ia ser na barriga, porque, a todo momento que ele dava uma
paulada, ele falava que ele ia me matar”, diz uma mulher.
Pode ser alguém apanhando em silêncio por mais de dez anos: “Aquilo já
virou tão rotina, que você não conta mais quantas agressões foram, se
foram três em um mês, se foram dez”.
Nem a polícia consegue evitar. “Infelizmente, determinados homens botam
na cabeça que a mulher é um objeto dele, que pertence a ele, que ele
pode tudo sobre ela, que ele pode bater, que ele pode brigar e que ele
pode até matar”, afirma o delegado Adroaldo Rodrigues.
O mapa da violência de 2012, pesquisa coordenada e recém concluída pelo sociólogo Júlio Jacobo,
mostra uma clara diferença entre assassinatos de homens e mulheres:
“Homem morre primordialmente na rua. Homem morre primordialmente por
violência, entre os pares, entre os jovens, na rua. Mulher morre no
domicílio, na residência”, explica Jacobo.
Ao todo, 68% das mulheres que procuraram o Sistema Único de Saúde em
2011 para tratar ferimentos disseram que o agressor estava dentro de
casa. Em 60% dos casos, quem espanca ou mata é o namorado, o marido ou
ex-marido.
“Minha vida já estava um inferno na companhia de alguém que dizia que
amava, mas horas depois estava me batendo”, conta uma mulher.
Entre 87 países, o Brasil é o 7º que mais mata. São 4,4 assassinatos em
cada grupo de 100 mil mulheres. O estado mais violento é o Espírito
santo, com 9,4 homicídios por 100 mil. E o que mata menos é o Piauí, com
2,6 homicídios por 100 mil mulheres. O Fantástico foi aos dois estados
para entender as razões dessa diferença.
Trezentas mulheres são atendidas na Delegacia da Mulher da Cidade de
Serra, na Região Metropolitana de Vitória, e pelo menos 200 homens são
investigados todos os meses. Como Renildo, que jura inocência: “Mulher, a
gente... Não se bate. Se bate com uma rosa”, afirma.
O que não quer dizer que Luzia tenha paz: “Ele quebra a janela, invade a
casa, entra dentro de casa. Ele quebra a fechadura da porta e entra
dentro de casa, fica me esperando dentro de casa. Quando eu vejo que ele
está dentro de casa, em vez de entrar dentro de casa, eu saio e ligo
para a polícia. Só que na hora que eu ligo para a polícia, ele se manda,
vai embora, e a polícia nunca pega”, ela relata.
Nenhum argumento o convence: “Eu gosto dela, eu não me esqueço dela”,
ele garante. “Eu já falei com ele: ‘me dá um tempo, me deixa viver em
paz, deixa eu viver minha vida. Eu já perdi meus empregos por causa de
você’. Mesmo assim, ele não me deixa em paz”, ela diz.
“Eu tenho o número dela aqui. Não vou falar que não. Eu ligo”, Renildo
confessa. “Enquanto eu estou conversando com você aqui ele já ligou!
Pode olhar, enquanto eu estou conversando com vocês aqui. Ele liga 24
horas para o meu celular”, diz Luzia.
A delegada da mulher Susane Ferreira o chamou para explicar que ele tem
de ficar pelo menos 200 metros longe dela. É ordem do juiz: “O
desrespeito a essa decisão acarreta a sua prisão”, avisa.
Renildo prometeu à delegada que ia respeitar a ordem. Mas a convicção
não passou da porta: “Eu não vou desistir, não. Eu vou correr atrás”,
confessou. O resultado foi a prisão dele na semana seguinte. Mas nem
algemado, nem levado ao xadrez, ele se convenceu: “Ela gosta de mim
ainda. Tenho certeza absoluta. Ela falou que vai retirar a queixa. É
para eu pagar meu erro. Então vou pagar. Acho que meu erro foi
pressionar ela demais. Reconheço que pressionei ela demais. Ajudei ela
bastante, o que eu pude fazer por ela eu fiz”, afirma.
Argumentos econômicos como esse são bastante comuns. “Eu paguei um
curso, eu paguei uma faculdade. E aí, para eles, isso é uma dívida
eterna. A companheira tem que se submeter à estrita vontade dele”,
explica a delegada Susane.
A dependência econômica fez com que uma mulher esperasse 13 anos para
denunciar o marido. “Ele era agressivo no começo. Teve uma vez que eu
tentei terminar com ele e simplesmente ele foi lá e me deu um tapa na
cara”, ela lembra.
Houve um tempo em que apanhava dia sim, dia não: “Eu já criei aquele
medo dele, que eu comecei a não ligar mais, a falar: ‘eu tenho que
obedecer ele e acabou. Eu vou continuar com ele’. Já não questionava
mais, obedecia. Agia assim por medo dele”, revela.
No dia em que ela propôs separação, o marido se enfureceu: “Ele me
empurrou. E nisso que eu abaixei para pegar a minha bolsa ele me deu uma
paulada aí eu desmaiei. Com um pedaço de pau a paulada”, ela diz.
Só na cabeça, foram 24 pontos, mais dois no rosto e um braço quebrado:
“Fiquei sete dias na cama. Parou minha vida, eu fico perguntando para
Deus: ‘Por quê? Todo mundo se separa numa boa, por que ele fez isso
comigo?’. Acabou comigo, eu olho no espelho a minha cabeça raspada, meu
rosto feio”, lamenta a vítima.
O marido pagou fiança e responde processo em liberdade, mas a Justiça o
proibiu de se aproximar dela. “Não me sinto protegida com isso. Até a
polícia chegar, ele já me matou”, diz.
Outra mulher que foi agredida e ameaçada de morte pelo marido está com
os filhos sob a proteção do estado em um abrigo cujo endereço é mantido
sob absoluto sigilo. A casa é vigiada 24 horas por dia. E a moça vai
permanecer no local até que a Justiça decida o que fazer com o agressor.
O problema é que as chamadas medidas protetivas determinadas por um
juiz nem sempre conseguem conter a fúria de um assassino.
Quando foi assassinada, aos 47 anos, Anita Sampaio Leite trazia um papel
que obrigava o marido a ficar pelo menos um quilômetro longe dela.
“Andava com a medida protetiva dentro da bolsa, na esperança de que,
quando o visse, entrasse em contato e fosse imediatamente para a
detenção, para o presídio”, lembra Antônio Sampaio, irmão de Anita.
Anita e o marido, o pedreiro Hercy de Sousa Leite, de 52 anos, viveram
juntos por mais de 30 anos. Os filhos do casal já não suportavam ver a
mãe apanhar. “Ele mantinha minha mãe completamente em cárcere privado.
Minha mãe não podia sair. Para ela sair, era tudo programado do jeito
dele. Se passasse do jeito dele, dava problema. Ele batia nela”, conta
Wellington Sampaio.
Quando Anita pediu a separação, em 2011, Hercy voltou a agredi-la e
chegou a ser preso. Mas pagou a fiança e foi embora. “A vida da minha
irmã valeu R$ 183”, lamenta o irmão de Anita. Anita foi morta a facadas
no quintal da casa dela, em agosto de 2011. Hercy ainda está foragido.
Ele já respondia a um processo por agressão.
Um dia depois do assassinato, um oficial de Justiça chegou a procurar
Anita para intimá-la a depor como vítima. “Ela está lá no cemitério de
Ponta da Fruta, você vai encontrar ela lá agora. Porque ela já morreu.
Demorou demais para chegar essa intimação”, relata o irmão, sobre o
encontro com o oficial.
São tantos crimes que a polícia do Espírito Santo teve de criar a
primeira delegacia do Brasil especializada em investigar homicídios de
mulheres. Quase todos os assassinos agem da mesma forma. “Há um
histórico de agressão anterior. Ou seja, o homem não chega e, em uma
ocasião fortuita, tira a vida da mulher. Não, isso vem como uma bola de
neve, aumentando, cada vez maior, cada vez a agressão vem de forma mais
violenta, até que culmina com um homicídio”, explica o delegado Adroaldo
Rodrigues.
Foi o que aconteceu com Josiléia Morogeski, de 33 anos. “Ele falou que
se ela largasse dele, ele mataria ela”, diz um parente da vítima.
Inconformado com a separação, o ex-namorado Adalberto Campos atirou
cinco vezes contra Josiléia na frente da família dela. Sexta-feira (27)
ele foi preso nos arredores de Vitória.
Para a polícia do Espírito Santo, a raiz de todos esses crimes é uma só:
“Traduz muitas vezes a questão do machismo mesmo, do homem querer
resolver o problema por se fazer homem”, destaca o chefe da Polícia
Civil do estado, Joel Lyrio.
O que faz o Piauí andar na contramão dessa tendência? “O Piauí também é
machista, só que aqui o trabalho é com eficácia. Na polícia não se deve
cochilar. Não deixe a madrugada chegar, tem que ser imediato”, alerta a
delegada Vilma Alves.
Às 9h50 da manhã, a delegada recebe a denúncia. Às 10h05, ela liga para a
Polícia Militar pedindo uma guarnição: “Uma senhora foi espancada e o
marido quer matar. Ela está com medo de retornar e eu quero prendê-lo”,
avisou.
Às 10h20, um PM está na delegacia recebendo instruções. Às 11h05, a
delegada já está diante do acusado, preso, na Central de Custódia de
Teresina.
Delegada: O senhor sempre bate nela?
Acusado: Não.
Delegada: Ela disse que já não aguenta mais, não quer mais viver com o senhor. O senhor está sabendo que quando sair não vai ficar com ela, não é?
Acusado: Não.
Delegada: Ela disse que já não aguenta mais, não quer mais viver com o senhor. O senhor está sabendo que quando sair não vai ficar com ela, não é?
A pressa da delegada é a urgência do juiz. “Quando nos chega às mãos, a
gente decide no máximo em 24 horas, talvez no mesmo horário do
expediente”, afirma o juiz José Olindo Gil Barbosa.
Uma azeitada articulação entre polícia e Justiça não deixa denúncias se
acumularem. “Até em tom de brincadeira eu digo: ‘aqui no Piauí, a gente
trabalha igual a pai de santo, a gente recebe, mas também despacha’”,
diz o destaca o promotor Francisco de Jesus Lima.
Na linha de frente dessa força-tarefa, uma mulher sempre perfumada, de
brincos e colar de pérolas. “Como eu ensino as mulheres a andarem
bonitas, a se amarem em primeiro lugar, então eu procuro andar sempre
assim. Porque eu me amo”, ela garante.
Sobre a mesa de trabalho, um salto plataforma modelo Lady Gaga. E outra
mesa repleta de santos. “Os meus santos estão aí para me proteger”, diz.
O resto é com a delegada: “Eu aprendi que remédio de doido é doido e
meio. Mas dentro da educação, sem bater”, avisa.
Com educação, mas falando grosso: “Aqui é olho no olho. Eu pergunto:
‘você comprou a sua mulher no mercado velho ou no shopping?’”.
Em audiências informais, ela põe vítima e acusado lado a lado e dá
lições de boas maneiras. “Eu não sei como você foi educado. Mas você
precisa de umas pinceladas de como tratar uma mulher. Não se trata
mulher na ponta do pé”.
Não hesita em enquadrar um machão: “Como foi que começou? Olhe nos meus olhos! Como foi que começou essa droga?”.
E deixa claro que ordem judicial é para ser cumprida: “Vamos resolver a
situação. A situação é essa: ela não quer mais você. Está com um mês que
separou. Como você foi lá? Preste bem atenção: você foi preso agora.
Não tem mais direito à fiança. Porque se você voltar, você vai ser preso
e vai diretamente para a penitenciária”.
Não importa se a moça de olho roxo mora em bairro chique: “Nunca vi isso
na minha família, na família dele. Os dois têm curso superior. Nossa
família também tem curso superior. Classe média alta”, relata uma
vítima.
A delegada assegura: ninguém escapa do indiciamento: “Aqui é de tudo, político e tudo. Bateu, se faz o procedimento”, garante.
Os movimentos feministas e o Ministério Público se uniram em campanha. E
a própria delegada, professora de formação, vai aonde for preciso para
passar o seu recado.
“A mulher não é piano, mas gosta de ser tocada. Um beijinho no pescoço,
um carinho. O certo é você chegar: ‘está aqui, meu amor, minha vida, meu
perfume, minha rosa’. É assim! Quem foi que deu um cheiro na mulher
hoje?”, questiona a um grupo.
A Lei Maria da Penha é explicada ponto a ponto. “Se você estiver achando
que você é dono de sua mulher, xinga a sua mulher, espanca todo dia,
ela pode chegar na delegacia e dizer: ‘doutora, eu não quero mais, eu
quero que meu marido saia’. E ele sai em 48 horas. Eu adoro fazer isso”,
avisa.
Os maridos ouvem atentamente o alerta final: “Se você forçar é estupro. E
se ela chegar na delegacia e disser que você estuprou, eu lhe prendo,
tranquilo, meu bem”. O resultado desse esforço coletivo é a queda da
violência, mas se engana quem acha que os números do Piauí agradam a
delegada.
“Nenhum número é aceitável para mim. Nenhuma morte. Viver em paz é o que
é importante. Como se admite uma mulher ser morta pelo seu marido?
Porque a mulher não é mais coisa, não é objeto, não é propriedade.
Mulher é cidadã e deve ser respeitada”, destaca.
Confira a tabela completa com o mapa de homicídios de mulheres no Brasil
Taxas de homicídio de mulheres (em 100 mil) por unidade federativa*
POSIÇÃO UNIDADE FEDERAL TAXA
1º Espírito Santo 9,4
2º Alagoas 8,3
3º Paraná 6,3
4º Paraíba 6,0
5º Mato Grosso do Sul 6,0
6º Pará 6,0
7º Distrito Federal 5,8
8º Bahia 5,6
9º Mato Grosso 5,5
10º Pernambuco 5,4
11º Tocantins 5,1
12º Goiás 5,1
13º Roraima 5,0
14º Rondônia 4,8
15º Amapá 4,8
16º Acre 4,7
17º Sergipe 4,2
18º Rio Grande do Sul 4,1
19º Minas Gerais 3,9
20º Rio Grande do Norte 3,8
21º Ceará 3,7
22º Amazonas 3,7
23º Santa Catarina 3,6
24º Maranhão 3,4
25º Rio de Janeiro 3,2
26º São Paulo 3,1
27º Piauí 2,6
1º Espírito Santo 9,4
2º Alagoas 8,3
3º Paraná 6,3
4º Paraíba 6,0
5º Mato Grosso do Sul 6,0
6º Pará 6,0
7º Distrito Federal 5,8
8º Bahia 5,6
9º Mato Grosso 5,5
10º Pernambuco 5,4
11º Tocantins 5,1
12º Goiás 5,1
13º Roraima 5,0
14º Rondônia 4,8
15º Amapá 4,8
16º Acre 4,7
17º Sergipe 4,2
18º Rio Grande do Sul 4,1
19º Minas Gerais 3,9
20º Rio Grande do Norte 3,8
21º Ceará 3,7
22º Amazonas 3,7
23º Santa Catarina 3,6
24º Maranhão 3,4
25º Rio de Janeiro 3,2
26º São Paulo 3,1
27º Piauí 2,6
Fonte: SIM/SVS/MS *2010: dados preliminares
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